O Remador de Ben-Hur (Confissões Culturais)
O texto abaixo é uma sobra do Jornal da Metrópole. Feito sob encomenda do chefe, mas não aproveitado porque o livro está fora de catálogo. Como isso aqui não é imprensa, leiam-no assim mesmo:
Nelson Rodrigues, o dramaturgo, todo mundo conhece. Nem que seja de vista, de "A vida como ela é" ou "Engraçadinha", da tevê. Já o Nelson cronista, estranhamente, parece não gozar do mesmo prestígio unânime do outro. Não que alguém ponha 'senões' na qualidade dos textos que ele fez publicar em jornais e revistas por praticamente toda a vida, mas porque quase ninguém os lê. De qualquer forma, Nelson é tão bom cronista quanto ficcionista, ou talvez melhor.
O Remador de Ben-Hur (confissões culturais), da Cia. das Letras, faz parte das edições completas da obra não-teatral de Nelson Rodrigues, sob organização de Ruy Castro. Neste, ao contrário dos demais livros de crônicas, marcadamente políticos, Nelson derrama a sua visão singular e a sua escrita incomum sobre a vida cultural e comportamental do Brasil e do mundo, entre 1957 e 1979. Assim, temos Chico Buarque, Garrincha, Clarice Lispector, Jean Luc Godard, Marilyn Monroe e muitos outros, todos sob os archotes do pensamento e da linguagem rodrigueana.
Nas 77 crônicas do livro, escritas inicialmente pra figurarem em jornais e revistas diversos, e selecionadas por Ruy Castro pra serem coligidas neste único volume, mantêm-se a impressão de que o autor está conversando pessoalmente com você; mas as idéias são tão ímpares que, ao mesmo tempo, parece que é um autor de outro planeta conversando pessoalmente com você. Com linguagem direta e clara, mas desconcertante. Sobre Chico Buarque, por exemplo: "(...) o mistério do Chico é o passado. Se eu tivesse de datar sua poesia, escolheria o ano de 1920. ninguém tão 1920".
Nelson Rodrigues, definido como "uma flor-de-obsessão", repete sempre as mesmas imagens e personagens. Estão no Remador de Ben-Hur o Otto, a Grã-fina das narinas de cadáver, o pôr-de-sol de folhinha, o óbvio ululante etc etc, mas dessa repetição ele consegue tudo, menos monotonia. Outro milagre é a eternidade conferida por ele a um gênero literário tão episódico. E ainda outro milagre é que Nelson Rodrigues consegue combinar drama e humor em porções cavalares e equilibradas. Em tudo há sofrimento e em tudo há riso.
Na última crônica do livro "Carta Pela Anistia", NR pede anistia total e irrestrita para os presos políticos, e especialmente para o seu filho Nelsinho. É uma página de muita dor e sinceridade, incluindo uma carta pessoal escrita para o então presidente João Figueiredo. Pois no meio do pedido pela vida do seu filho, com um despudor desesperado, ele escreve: "a décima parte de um perdão não tem sentido. Imagine o preso chegando à boca de cena para anunciar: -'Senhores e senhoras, comunico que quase fui anistiado'". É dramático e hilário. É Nelson Rodrigues do legítimo, do puro, do escocês.
1 Comentários:
O meu no seu
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